terça-feira, 21 de maio de 2024

A inutilidade da indefinição de qualquer coisa.



A atendente procurava pelo nome da pessoa que aguardava do outro lado do balcão. Eram muitos envelopes, muitos nomes comuns, até que encontrou o certo. Era grande e pesado, mais do que os outros. Segurou com firmeza e tentou disfarçar a curiosidade em saber o resultado que estava ali.

Entregou para a pessoa do outro lado do balcão.
— Nossa, que envelope grande! — disse a pessoa, surpresa pelo volume.
— São muitas páginas. Temos exames mais complexos que parecem até um livro e...
— Não vejo a hora de abrir para ver o resultado. Tchau! — disse a pessoa, despedindo-se. Virou-se e deixou a atendente falando sozinha, curiosa pelas informações contidas no envelope.

No sistema antigo, a atendente tinha acesso aos resultados dos exames usando a senha da sua gerente. Sua curiosidade era sempre saciada. Havia uma competição entre os funcionários para ver quem sabia mais sobre os resultados dos exames, seja pelo sistema ou por outros meios. Conhecer o dono daquele exame e, numa conversa informal, extrair o máximo de informações da vida dele servia de alimento para fofocas entre as atendentes. Era um status entre as fofoqueiras.

A pessoa entrou no carro e jogou o envelope no assento do passageiro, demonstrando um falso desprezo. Decidiu continuar a vida, tentando ao máximo ignorar o envelope. Esse era um ponto sem volta. Não saber o resultado era como não ter feito exame nenhum. Era um lugar confortável, porém o envelope já estava ali. Tanto faz o resultado, positivo ou negativo, não tinha mais volta. Apesar de acreditar no resultado positivo, ambos os resultados tinham o poder de alterar para sempre sua vida.

O resultado negativo, apesar de aparentar um alívio momentâneo, não significaria nada disso a longo prazo. Na verdade, era outra sentença igualmente difícil de resolver, com outras idas a laboratórios, consultas a especialistas de várias áreas diferentes da medicina convencional, outros exames complementares, etc. Uma rotina que adoraria evitar. Na verdade, sua preferência pelo positivo também era um dos seus principais medos.

Será que uma pessoa na sociedade não poderia viver sem saber nada sobre essas coisas e simplesmente deixar as coisas acontecerem?

Pegou o envelope e começou a abrir. Fez um rasgo pequeno e o cheiro de papel novo surgiu. Então, essa pessoa refletiu em seu cônjuge, com quem dividia a vida há quase uma década. Esses exames e toda a ideia de cuidar da saúde eram por causa dessa parceria. Quase dez anos de um sólido relacionamento íntimo, muito mais do que um dia essa pessoa imaginou que aconteceria.

Ligou o carro e saiu do estacionamento do laboratório, com o dever de chegar em casa e abrir o envelope na presença da pessoa que vivia junto há tanto tempo. Afinal, o resultado era de total interesse dos dois. Durante o caminho, não tirou os olhos do envelope sobre o assento do passageiro, como se o objeto estivesse chamando a atenção.

Envelope sobre a mesa um ser humano pensativo olhando para a janela, de costas para a mesa. Essa era a cena em que o cônjuge se deparou ao chegar em casa.
A vida a dois se mostrará uma surpresa improvável da vida.
As coisas foram acontecendo, e um dia já estavam juntos, sem uma data ou cerimônia, vivendo como um casal. Nada oficial, mas o dia a dia deixava claro o que não era declarado. A convivência era a aliança de compromisso dessas pessoas.

— Oi, vida.
— Oi, tudo bem?
— Claro.
— Saiu o resultado do exame.
— De qual exame?
— O que fizemos na quinta.
— Ultimamente são tantos exames. Esse é o seu ou o meu?
— Está em meu nome, deve ser o meu resultado.
— Então? Positivo ou negativo?
— Não sei, quero ver junto, por isso aguardei sua chegada.
— Ah, entendi o porquê. Lembrei que exame é esse. Mas como conseguiu se conter em não saber o resultado? Como conseguiu controlar a ansiedade?
— Faltou coragem de saber o que será de nossas vidas daqui em diante.
— Deixa de exagero, abre logo, vamos descobrir.
— Não! Pensei em deixar como está. Se destruirmos o conteúdo do envelope, podemos viver como se o resultado fosse uma sobreposição.
— Como assim?
— O resultado é os dois ao mesmo tempo, positivo e negativo juntos, sobreposição como na física quântica.
— Isso é sério? Porque se for uma piada, eu não vejo graça alguma.
— Veja os benefícios de não ter certeza. Temos que lidar com os dois resultados ao mesmo tempo, tomando todas as precauções do peso da responsabilidade dos dois resultados e vivendo os benefícios dos dois ao mesmo tempo.
— Qual você acha que é o resultado?
— Não sei, mas sinto que será positivo. Mas sei também que pode ser negativo. Se abrir, teremos certeza; mas tanto faz um resultado como o outro, nossas vidas serão completamente afetadas. Nunca mais seremos os mesmos.
— Sim, concordo plenamente. Por isso, já vou me adiantar e te dizer que estou rompendo esse relacionamento.
— Como assim? Nem sabemos o resultado!
— Essa é a sobreposição de resultado: viver com o positivo e o negativo ao mesmo tempo. Pelo positivo, você sabe que eu estaria do seu lado. Conversamos sobre isso, lembra? Mas pelo negativo, não. Se é para viver em sobreposição, então te adianto que, pelo resultado negativo, não existe mais relacionamento entre nós dois.
Um clima tenso tomou conta do ambiente. A pessoa cujo nome estava no envelope não pôde conter a emoção e começou a lacrimejar. Respirou fundo e disse:
— Então vou destruir esse exame.
— De quem é o nome no exame?
— Meu nome.
— A escolha pertence a você e tão somente.
Uma das duas almas humanas naquela sala pegou o envelope, jogou na pia, depois buscou álcool dentro do armário e encharcou o envelope. Pegou um isqueiro e acendeu. As cores do envelope começaram a escurecer. Com uma espátula de metal, foi mexendo para que o fogo consumisse todas as páginas. Logo, o resultado não passava de um bolo de cinzas.
— Pronto! É isso que você chama de sobreposição?
— Isso! Você vai embora quando?
— Mais tarde. O que vamos jantar?
— Tá afim do que?

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Fim

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