quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Que data querida

Hoje completa mais uma volta em torno do Sol.
Mas uma oportunidade de pensar, refletir em tudo que aconteceu no último ano, como as coisas estão andando, tudo saiu como planejado? Tinha alguma coisa planejada?
É claro que há motivos para comemorar, é sempre uma data feliz, mas… …e se fosse a última vez?
Poucas pessoas com menos de 50 anos fazem essa conexão, mas todos os dias, especialmente no aniversário, apontam para um momento específico em que a vida se confronta com a inexistência.
E se fosse hoje? Se soubesse que hoje seria o último dia, preferiria não conhecer os detalhes, nem a hora do óbito. Apenas viveria como se fosse o último dia único.

***

Feliz último dia! 
Acordaria feliz da vida respirando o ar mais puro e único que já existiu, estranharia a leveza deixada pela falta de preocupação com as dívidas, os boletos e cartões de crédito seriam Palavras sem significado. 
O ar gelado da manhã enchendo os pulmões, apesar do calor e do sol intenso, sentir que isso é possível é tão prazeroso que vale a pena o incômodo, (caro leitor se você não vive na zona tropical desse planeta, não sabe quanto o calor é um incômodo).

Um banho gelado seria tomado bem demorado, deixando a água entrar pelas narinas, a sensação e o cheiro do cloro evaporando dentro do nariz remetendo aos dias de infância, num parque aquático, numa piscina ou até um banho de mangueira, uma época onde éramos felizes com pouco.

 Iria fazer algumas obrigações diárias pela última vez, devagar, degustando cada momento, faria o mesmo serviço que faço todos os dia, como um dia comum, pois hoje para a maioria das pessoas do planeta Terra é só mais um dia comum.
Faria tudo isso com um sorriso no rosto, um sorriso de despedida, um sorriso de quem está curtindo cada micro acontecimento, apreciando os últimos diálogos com quem eu gosto de trabalhar, tentando imaginar a reação deles no dia seguinte, faria o mesmo com aqueles que eu detesto trabalhar, ali uma última oportunidade de reconciliação se for o caso.
Perderia um bom tempo olhando para o Céu, não importa o que isso fosse custar, subiria em um local alto para ver o por do sol, admirando o céu escurecer, mesmo que para isso tivesse que abandonar o serviço mais cedo. Sem nenhuma explicação sairia como se fosse o dono da empresa.
Ficaria próximo das pessoas queridas, seria maravilhoso se todos estivessem presentes no mesmo lugar.

Depois de outro banho, uma bela refeição, uma boa lasanha ou macarrão à bolonhesa, finalmente dormiria satisfeito. Um dia comum e simples, um último dia leve e feliz. Aguardaria meu destino, tranquilo por ter feito o melhor possível, dormindo profundamente sem acordar jamais.

Uma parte de mim deseja muito fazer isso! 
Mas tem uma outra parte que faria totalmente diferente, um “Eu” mais cínico e cruel.

***

O último e infeliz dia!

Acordava gritando anunciando para toda vizinhança que hoje era meu aniversário, soltaria um belo palavrão gutural para assustar as senhoras desavisadas que tem um louco na sua rua. 
Faria uma fogueira no quintal com todos os cartões de crédito, boletos e documentos tudo que trouxesse lembranças ruins da vida de adulto.
Viraria de uma só vez duas latas de cerveja bem gelada; aquelas lá no fundo da geladeira, só para começar a comemorar. 

Correria para o trabalho, sendo o primeiro a chegar, só para ter a oportunidade de ofender o meu chefe, quem sabe até dar um soco na cara dele. Apreciar a reação dele sentindo o sangue escorrendo pelo nariz.

Gastaria todas as minhas economias e crédito restante para fazer uma festa, um churrasco entre parentes e amigos. Uma festa para durar a noite toda, numa casa enorme com uma piscina, contratando até bandas de garagem para tocar minhas músicas favoritas.

Em determinado momento, contaria todos os pequenos segredos que sei, de cada parente. Não morreria com esses segredos. Contaria para minha mãe todas as vezes que ajudei a encobrir as escapadas da minha irmã mais velha para as baladas. Finalmente, revelaria para o meu primo quantas vezes sua ex-namorada o traiu, entre outras confissões, só por pura diversão, diria a todos exatamente o que eu penso e sei de cada um, mesmo que fosse uma coisa boa ou ruim, eles iriam entender na manhã seguinte.

Viraria a noite toda festejando, aguardando o momento em que encontraria a inexistência. Receberia a morte de olhos bem abertos, como se fosse um beijo de um casal adolescente apaixonado. Sentiria o coração parar de bater e conheceria qual seria meu último pensamento antes de morrer.

Isso, é claro, se fosse o meu último dia. Haveria uma forma melhor de celebrar um aniversário? Mas, como sei que não vou deixar de existir hoje ou amanhã, tento sobreviver, entre um e outro, sem escolher nenhum dos dois.

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