domingo, 5 de março de 2023

A construção da Liberdade

Qual é o valor da liberdade? Quanto custa?

Para um presidiário, a liberdade tem um valor diferente do que para uma moça de 15 anos trancafiada em seu quarto, emburrada porque seus pais não deixaram ela viajar com as amigas - na verdade, eles apenas não deram dinheiro para a moça fazer o que quisesse. Ela se esforça para convencer seus pais, fazendo drama sentimental, buscando argumentos rebuscados e usando uma boa lógica digna de um discurso vencedor de debates políticos, mas de nada adianta. O que resta é lamentar sua falta de liberdade.

Eu sempre tive o mesmo problema com a liberdade, meus pais sempre foram muito rígidos na criação, principalmente com a limpeza, todos os dias era dia de lavar alguma coisa, muitas vezes minha mãe que definia as escalas de qual filho limparia o que, nem sempre ela seguia uma lógica justa, também me sentia preso e injustiçado, principalmente quando era um sábado a noite e tinha que lavar o quintal dos fundos, lá tinha o pequeno banheiro difícil de lavar, a água sempre escorria na direção oposta do ralo.
Quando minha irmã mais velha começou a trabalhar eu herdei todos os serviços que ela fazia em casa, ela agora era livre e eu privado de liberdade.

Foi horrível, mas sobrevivi, quando finalmente fiz 18 anos na primeira oportunidade de me livrar dos meus pais eu fui sem exitar, ser livre pra fazer o que quiser.

Então fui servir o exército, pensei que tinha conseguido ser livre. Mas tinha uma maldita corneta que tocava as 05:30, tinha um maldito uniforme que tinha que estar bem arrumado e um monte de regras para seguir, que saudades de casa.
As punições para descumprimento de qualquer regra era ficar detido numa minúscula sela, ou acumular escalas de limpeza, depois de lavar alguns pátios e banheiros aprendi a seguir todas as regras à risca. Como soldado eu estava menos livre do que em casa, mas não desisti, meu orgulho me impedia de voltar para casa com o rabo entre as pernas, acabei me acostumando, nunca fazia o que realmente queria, nas minhas folgas eu tinha uma fração de liberdade, mas ainda não era isso, toda minha vida era exprimida pelos outros compromissos.
Não foi tão ruim assim pelo menos os treinamentos de tiro me ajudariam num futuro próximo a conseguir um emprego de vigia noturno e uns bico de segurança.

Foi nessa época da juventude que eu entendi que ninguém é livre pra fazer o que quiser, isso não existe, adultos estão sempre trocando seu tempo por dinheiro por sobrevivência, pouquíssimas pessoas aproveitam a vida fazendo o que querem, a maioria fazem o que precisa ser feito.

Depois que me livrei do exército voltei para casa dos meus pais, uma prisão familiar e confortável, mas ainda não podia fazer o que quisesse. 
Como um jovem adulto me obriguei a trabalhar. Quando menos percebi estava preso numa rotina estranha, dormindo de dia, trabalhando de madrugada como segurança noturno, como um vampiro eu não via mais a luz do dia, até nos dias de folga passava o dia todo dormindo e a madrugada toda acordado assistindo TV ou jogando videogame, nem parecia a vida que eu tinha planejado quando criança, aliás não era uma vida, dois anos de exército eu continuava o mesmo de sempre, eu estava mais preso do que nunca, pensei que a vida de adulto fosse melhor que isso, eu vivia seguindo os fluxo.

Cansado dessa rotina entrei num financiamento estudantil, o governo financiaria minha formação superior, talvez esse fosse o melhor caminho (Devo para o governo até hoje), estudar para ser alguém. Mas quantidade de matérias e exigência para se provar que sabe alguma coisa sobre gestão administrativa, me fez pensar se eu não estava simplesmente trocando de uma prisão para outra.

Eu poderia curtir como os outros idiotas alcoólatras largados pelos quarteirões em volta da faculdade, mas o esforço que eles tinham que fazer para compensar o tempo perdido para não reprovar em alguma matéria não valia a pena; a vontade de encher a cara e curtir era grande, mas maior ainda era a vontade de terminar essa maldito curso, não é muito inteligente levar 6 anos para concluir um curso de 4 anos.

Da faculdade para o serviço, do serviço para casa, dormia o dia inteiro até a hora de ir para a faculdade novamente. Isso é liberdade?
Precisava do diploma do nível superior e também precisava trabalhar para me manter no curso, (e pagar o financiamento do meu carro semi-novo), o resto do tempo que me sobrava eu dormia.

Porém tinha uma moça chamada Jéssica na minha sala, ela demonstrou interesse em mim, de início pensei que fosse só para conseguir nota nos trabalhos, mas ela meio que insistiu em ter minha companhia. Como um jovem macho da minha espécie não podeira recusar para uma fêmea saudável interessada, acabei cedendo minhas horas de sono para Jéssica.

O que era para ser um bom relacionamento se tornou mais uma outra prisão, eu era um escravo dos desejos dela, todas as suas vontades, todas as necessidades delas eram minhas prioridades, em troca de que? Ela era muito bonita, linda, quase perfeita, mas Extremamente autoritária, egoísta e manipuladora. Eu já nem sabia mais o que era dormir, minha vida era dela, eu daria a vida por ela. Só percebi o quanto idiota fui quando vi ela me traindo com um outro rapaz, no pátio da faculdade, foi terrível, meu coração partiu no meio, eu jurei a mim mesmo que nunca iria me apaixonar outra vez, a ressaca dessa paixão me deixou mais anti social do que eu era antes.
Alguns meses depois e muitas lágrimas, durante a aula senti uma forte dor de cabeça, fui obrigado a pedir socorro na enfermaria, lá conheci uma garota linda, ela cursava enfermagem, nunca fui tão grato por ter uma dor de cabeça, tive sorte dela ter se apaixonado por mim também, logo começamos a namorar e a vida começou a fazer sentido, ela me deixava tranquilo e relaxado, me sentia livre quando estava perto dela.

Tentei explicar para ela sobre meus ideais de liberdade, ela só dizia que as pessoas tinham que sobreviver fazendo o que for necessário, tudo estava incluído no necessário, até mesmo qualquer coisa como não fazer absolutamente nada.
Graças a ela a vida ficou mais doce, confortável, a falta de liberdade não parecia afetá-la, pelo contrário, ela estava muito feliz com sua rotina, principalmente por que eu fazia parte dela. Como pessoas tão diferentes podem ser tão iguais?

Tentando retribuir toda a felicidade que ela me trazia resolvi realizar o sonho dela de ser mãe, na formatura ela estava com aquela barrigão de grávida. Foi engraçado. É incrível como ela não parecia estar presa em nenhum contexto da sua vida, era como um pássaro livre em pleno vôo.

Casámos e fomos morar juntos nos quartos dos fundos da casa dos meus pais, não é o ideal mas era o que eu poderia fazer. Daí eu abri mão totalmente do que eu pensava que era liberdade e me dediquei totalmente a viver pelas duas, minha esposa e minha filha. 

Para dar uma vida melhor para elas tive que vender muitas horas de trabalho, tive que arriscar a vida, os empregos que pagam mais são aquelas que você tem a chance de morrer. 

Mas eu não morri, depois de tanto tempo me privando de fazer o que desse na telha, consegui, não tenho um minuto de liberdade, estou mais preso do que nunca, estou vinculado por vontade própria a um destino, a minha família.

Um poeta disse uma vez se sua mente está livre você não enxerga os muros, minha verdadeira liberdade e me doar para minha família e servir minha esposa e na medida do possível satisfazer minha filha manhosa de 15 anos que está aos prantos debaixo da coberta se lamentando por não ter viajado hoje.

Ela ainda não entende o que eu talvez só compreenda agora, algumas coisas são muito caras, outras não tem preço, cada momento ruim da vida me trouxe até aqui, cada choro e decepção me ensinou alguma coisa, eu tive muita sorte de encontrar alguém que também me queria bem.

Liberdade é saber escolher as responsabilidades que você terá que suportar. 

Para ela é fácil dizer que os outros pais deixam e dão dinheiro quase que à vontade para suas amigas se divertirem. Mas elas não são livres, porque seus pais também não são, eles nem sabem o que é isso, vivem a vida sem saber o que estão fazendo.










Um comentário:

Anônimo disse...

Então, liberdade é poder fazer escolhas? Estamos todos ferrados!! Dificilmente sabemos fazer escolhas.